RevisTTa

(MOMENTOS ETERNOS)

 Mundo dos Poetas

Edição TTNeves - Arte Rivkah

Editorial

Nesta edição pretendemos adentrar no Mundo dos Poetas,
não descrever mundos, mas integrar mundos eternos.
Juntar, entrelaçar sem barreiras do tempo os IMORTAIS
aos que escrevem todos os dias na nossa telinha.
Se tirarmos uma visão das dobras de tempos remotos,
encontramos o poeta como aquele cuja palavra pinta a palavra pintada.
Antes de tudo, o poeta é um leitor do mundo...
 de maneira muito peculiar e própria, sempre falaram de tudo à sua volta:
representaram, refletiram, deformaram, torceram, distorceram, atuaram,
 montaram, criaram tantos mundos no seu próprio mundo;
a relação dos verbos que caberia nesta série seria infinita
para fazer justiça à palavra poética e àqueles que a engendram. 
Leram também o mundo que dentro deles,
poetas, ou no íntimo dos homens se compõe em imagens:
 a poesia é religiosa, profética, mítica, onírica,
“inconsciente”, misteriosa, inspirada ou “pirada”;
e, novamente, a série em que esses atributos da poesia se inserem poderia
expandir-se quase tanto quanto são os poetas e os poemas que lêem o mundo interior. 
A poesia é sempre contemporânea de si mesma e os poetas de todos os tempos.
Em síntese, o olhar do poeta tudo lê em forma de poesia,
 das palavras que brotam no poema,
elas próprias (as palavras) uma nova realidade,
 material e objetiva, a ocupar seu próprio espaço
em qualquer lugar ,seja lá onde pousar. 
 
É importante dizer que nossa pretensão é apresentar
sempre uma nova RevisTTa a cada domingo
tentando aos poucos divulgar ,unir, reunir poetas ...
isto se conseguirmos, tomara.
2 de julho de 2006
Maria Thereza Neves
 
*

Carlos Drummond de Andrade/Leminski/Cecília Meireles/José Saramago/Mario Quintana/Bocage/Clarice Lispector/Pablo Neruda/Manoel Bandeira/Vinicius de Moraes/Olavo Bilac/Bertolt Brecht/Charles Baudelaire

&

Otávio Coral/Aldo Guerra/Letícia Marques/Sonia R /Orlando Caetano /Maria Thereza Neves/Watfa /Jorge Humberto/Fernanda Guimarães/Cleide Canton/Elena Tomich/Jorge Linhaça/ Rivkah Cohen

*


Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais que a noite.
 
NEGRUME
Otávio Coral

A mínima curva do silêncio

se acomoda como uma giesta

nas frias pedras da existência.


A busca do lúrido enigma

atrai minúsculos postulantes

presas fáceis da atração.


Bailando pela memória

ao sabor de solerte vento

fluem sábios gnomos.


Um escuro rio caudaloso

atordoa o sôfrego leito

com seus miasmas febris.

Um bom poema leva anos
Leminski

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
 

ABERTURA
Aldo Guerra


Aqui estou, completamente.
Cada sílaba do meu nome,
Cada célula do meu corpo.
Inteiro,
Posto em postas sobre a mesa.
Me delato em cada verso
Como se fossem autos.
Minha poesia,
Depoimento.

 
Canção Mínima
Cecília Meireles

No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;

no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta

 

Fogo

 Letícia Marques

 

Acende a chama

Labareda insensata

Do sentimento

Verte sobre o vento

As carícias torturantes

Do amor descontrolado

nefasto

despudorado

Entrega-te ao insano

Desliga-te do real

Viaja no nada

Do amor proibido

louco

improvável

Corre que o calor insuportável

Arde e queima

A cidade inteira

Rompe o dia

Incendeia o mar

Dos delírios trôpegos

Dos que querem

Apenas amar!

*

Poema à Boca Fechada

José Saramago

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

QUASE UMA PRECE
Sonia R


O novo há de surgir
sem a epifania de reis
sem clichês de falsa estampa
sem jogo de cartas marcadas.

       Há de explodir em cores
       - arrebol de nova aurora -
       sorrindo às mazelas da noite
       com lábios que beijam do sol

                    ...  a claridade pura.

Os poemas

Mario Quintana

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

 

POETA
 
Orlando Caetano
 
 
poeta
puto a saltitar
seus inocentes jogos
 
poeta
porta descerrada
sem chave
nem ferrolho
 
poeta
ilha totalmente povoada
de mistérios
e de encantos
 
poeta
erva que cresce
entre silvas
e entre flores
 
poeta
alma quebrada
em mil pedaços
que onde acaba
já começa

Meu ser evaporei na lida insana

Bocage

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel das paixões que me arrastava,
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim, quase imortal, a essência humana!

De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não doirava!
Mais eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos,
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus... ò Deus! Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube!

Meu Último Verso.
Maria Thereza Neves


Na planura do corpo ,na rasura da alma
engrossam os rios e incham as colinas
quando o vento passa
eu sou uma pena a voar num lugar sem tempo.

Do nada quero fazer tudo
e reduzir o tudo a nada.
Quero ser mais em mais e no mais
já não me contenho no universo
o infinito não me basta
a eternidade não é demais
a perfeição é só o limite
o remate do meu último verso.
 

 PERFEIÇÃO
Clarice Lispector

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, co nfusos,
a perfeição.

 

Face e borboleta!

Watfa
 
 
Cerro meus olhos! Doces pensamentos
vêm de mansinho, colorindo minh´alma...
O dulçor que me invade, em momentos,
convida a borboleta, e mais me acalma.
 
Destarte, estou só na minha introspecção;
levo-me onde quero, afago a quem quero.
Os olhos cerrados me levam à meditação;
sonhos que me acolhem, eis o que espero!
 
Nada, nem ninguém, além de mim, em mim.
U´a estátua, cintilando por dentro em fulgor.
Bem-vindas as ilusões, odores de jasmim!
Eu me pertenço; cerro os olhos em louvor!
 
Ausculto meus pensamentos! Sustenidos!
Suaves cânticos me envolvem em ternura.
Soçobro em meus órgãos, ouço seus ruídos;
cadenciado ritmo segue à risca a  partitura
 
Pálpebras unidas, desenrolam-se as cenas;
atos e fatos, os matizes, as formas eu defino.
Nomeio, ao meu gosto, da arte o mecenas...
Que virá a mim (louvores!) selar meu destino.
 
E sonho...


 

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pablo Neruda



Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis...

Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.

Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.

Como para aproximá-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento.

Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

 

CIDADE ADORMECIDA
Jorge Humberto
 
 
Que seja
O que tiver de ser, pela manhã
Aurora de um outro cantar.
 
O meu reportório
Esgotei-o
No último espectáculo.
 
E de noite importa
Novo voar.
 
A renovação da cena,
Teatro shakespeariano,
Com ratos vestindo-se de reis
Roendo cidades adormecidas,
E janelas sem luzes
Por dentro.
 

Jorge Humberto
in Mosaico

Desencanto

Manoel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto

Meu verso é sangue. volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias, amargo e quente
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca,

Eu faço versos como quem morre.

 

Confluência

Fernanda Guimarães
 
Os olhos buscam-te
Como se possível fosse
Delimitar fronteiras
Quando é o pensamento
Ponte e travessia de desejos
Não cabem na margem da razão
Os anseios que navegam
No semicerrar das pálpebras
Velejando para o encontro
Que apenas se dá no horizonte
Onde dormem os sonhos
 
SONETO DO CORIFEU
Vinícius de Moraes

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
*


BAILADO DE ESTRELAS
Cleide Canton
 
Estrelas em atípico bailado,
miríades distribuindo cores,
moldam o coração enamorado
ao encanto de seus velhos amores.
 
Foi o tramado de rastros brilhantes,
na magia de encontros prateados,
que devolveu à noite dos amantes
a cor dos sonhos imortalizados.
 
Foi a gana de viver o momento,
a ânsia de entornar o sentimento
que vedou a visão da realidade.
 
Foi o feitiço que encontrou abrigo
no abraço apertado, farsante amigo,
que fez do olhar retrato da saudade.
*****
 
OUVIR ESTRELAS
Olavo Bilac

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
 

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
 

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
 

(Poesias, Via-Láctea, 1888.)

Redemoinho
Elane Tomich
 
Era o querer fátuo incandescente
língua de fogo a lamber fobias
era do fato, dor remanescente
afeto posto em vias de fato.
 
Era o  meu caso, fatiada história
era minha vida que ali não cabia
no embolorado de outra memória
 eu no cercado inda me vivia.
 
Fiz-me liame entre vida e morte
fios de seda a tecer cipó
ponte de vôo entre  sonho e cruz
calos nas mãos, dedilhado em dó.
Contradição entre escolha e sorte
 um sim, um não, pedras do meu forte
 pó giratório em frestas de luz
 farol que para, a estancar meu  tempo
redemoinho em meu sentimento
 
A EXCEÇÃO E A REGRA
BERTOLT  BRECHT



Estranhem o que não for estranho.

Tomem por inexplicável o habitual.

Sintam-se perplexos ante o cotidiano.

Tratem de achar um remédio para o abuso.

Mas não se esqueçam

de que o abuso é sempre a regra.
 
*
ESCRAVIDÃO

Jorge Linhaça

01/07/2006

 

Trabalhas silente cansado

ao som do estalar do chicote

Espirito e corpo aviltados

Teu último salário é a morte

 

Nas senzalas modernas

te deixas quase repousar

nas favelas e nas casernas

que insistes ser um lar

 

O repouso que não te chega

pois te sentes prisioneiro

da luz só vês a tênue nesga

 

Escravo do maldito dinheiro

dia após dia ficas na mesma

O amargor é teu companheiro

****

 

O Frasco
Charles Baudelaire


Perfumes há que os poros da matéria filtram
E no cristal dir-se-ia até que eles se infiltram.
Ao abrirmos um cofre que nos vem do Oriente
Cujo ferrolho range e emperra asperamente,

Ou numa casa algum poeirento e negro armário,
Onde o acre odor dos tempos dorme solitário,
Talvez se encontre um frasco a recordar o outrora,
Do qual uma alma palpitante se evapora.

Pensamentos dormiam, ninfas moribundas,
A fremir com doçura em meio às trevas fundas,
E as asas distendiam para alçar-se, estriadas
De azul e rosa, ou de ouro arcaico laminadas.

Eis as lembranças inebriantes que se afligem
No ar convulso; fecham-se os olhos; a Vertigem
Subjuga a alma vencida e empurra com a mão
A um vórtice que exala a humana podridão;

Abate-a às bordas de um abismo milenário,
Onde, qual Lázaro rasgando seu sudário,
Se move ao despertar o defunto espectral
De um velho amor malsão, gracioso e sepulcral.

Assim, quando de tudo eu me tornar ausente,
Ao canto de um sinistro armário indiferente,
Quando esquecido eu for, qual frasco desolado,
Caduco, imundo, abjeto, poeirento, rachado,

Serei teu ataúde, amável pestilência,
Testemunho de tua força e virulência,
Veneno angelical, licor que sem perdão
Me rói, ó vida e morte de meu coração!
*
 
Mundo
em que minh'alma se projeta.
Suave, 
Belo,
Transparente.
Pela mensagem, se eleva,
descobre-se novos horizontes.
a criança grande
enxerga
O Mundo dos Poetas!
 
rivkahcohen
*
"É apenas com o coração que se pode ver direito;
o essencial é invisível aos olhos."
(Antoine de Saint-Exupéry)
*
RevisTTa
http://www.rivkah.com.br/revistta_indice.htm
2 de julho de 2006
TTNeves e Rivkah