RevisTTa
(MOMENTOS ETERNOS)
Mundo dos Poetas
Edição TTNeves - Arte Rivkah
Editorial
Carlos Drummond de Andrade/Leminski/Cecília Meireles/José Saramago/Mario Quintana/Bocage/Clarice Lispector/Pablo Neruda/Manoel Bandeira/Vinicius de Moraes/Olavo Bilac/Bertolt Brecht/Charles Baudelaire
&
Otávio Coral/Aldo Guerra/Letícia Marques/Sonia R /Orlando Caetano /Maria Thereza Neves/Watfa /Jorge Humberto/Fernanda Guimarães/Cleide Canton/Elena Tomich/Jorge Linhaça/ Rivkah Cohen
*
No mistério do
Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no
jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
e, sobre
ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa
de uma borboleta
Letícia Marques
Acende a chama
Labareda insensata
Do sentimento
Verte sobre o vento
As carícias torturantes
Do amor descontrolado
nefasto
despudorado
Entrega-te ao insano
Desliga-te do real
Viaja no nada
Do amor proibido
louco
improvável
Corre que o calor insuportável
Arde e queima
A cidade inteira
Rompe o dia
Incendeia o mar
Dos delírios trôpegos
Dos que querem
Apenas amar!
Poema à Boca Fechada
José
Saramago
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e
amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de
outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna
de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em
que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as
dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me
não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais
bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro
poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer
tudo.
QUASE UMA PRECE
Sonia
R
Os poemas
Mario
Quintana
Os poemas são pássaros que chegam
não se
sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam
vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um
instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos
vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava
em ti...
Meu ser evaporei na lida insana
Bocage
Meu ser
evaporei na lida insana
Do tropel das paixões que me arrastava,
Ah! cego
eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim, quase imortal, a essência humana!
De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não
doirava!
Mais eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua
origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos,
Esta alma, que
sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus...
ò Deus! Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube!
O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de
alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de
uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena
é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente
invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das
coisas.
Nós terminamos adivinhando, co nfusos,
a perfeição.
Face e borboleta!
Posso escrever os versos mais
tristes esta noite.
Pablo
Neruda
Posso escrever os
versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está
estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.
O vento da noite
gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis...
Em noites como esta eu a
tive entre os meus braços.
A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não ter amado os seus
grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa,
mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está
estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao
longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para
aproximá-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está
comigo.
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de
então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a
quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro.
Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus
olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão
curto o amor, e é tão longe o esquecimento.
Porque em noites como esta
eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-la
perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes
sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Desencanto
Manoel
Bandeira
Eu faço
versos como quem chora
De desalento... de desencanto
Fecha o meu livro,
se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto
Meu verso é sangue.
volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias,
amargo e quente
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de
angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na
boca,
Eu faço versos como quem morre.
"Ora (direis)
ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de
espanto...
E conversamos
toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E,
ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora:
"Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem,
quando estão contigo?"
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir
e de entender estrelas."
(Poesias, Via-Láctea, 1888.)
Jorge Linhaça
01/07/2006
Trabalhas silente cansado
ao som do estalar do chicote
Espirito e corpo aviltados
Teu último salário é a morte
Nas senzalas modernas
te deixas quase repousar
nas favelas e nas casernas
que insistes ser um lar
O repouso que não te chega
pois te sentes prisioneiro
da luz só vês a tênue nesga
Escravo do maldito dinheiro
dia após dia ficas na mesma
O amargor é teu companheiro
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