O senhor, judeu? Como pode ser judeu?
O senhor é branco!
Ao chegarem em Israel, os médicos diagnosticaram nos falashas casos fisiológicos e de nutrição semelhantes aos encontrados nos sobreviventes dos campos de concentração. Chegaram magros, famintos, sem propriedades. Hoje eles são parte integrante da sociedade israelense.
Nunca é demais lembrar que Israel foi o único país do mundo que retirou negros da África para lhes dar vida, conforto, estudo, trabalho e dignidade.
Além da África, na Índia há duas comunidades de judeus
negros. Os mais conhecidos são os Bene Israel, de Bombaim. Sua cor é escura e a
língua cotidiana é o marata. Sua vida diária pouco difere da população indiana,
exceto quanto à religião. No Sul da Índia, em Cochin, há os judeus totalmente
negros como os demais indianos do sul, cuja língua é o malaiala, idioma falado
antes das invasões indo-européias. Remontam suas origens a uma da 10 tribos de
Israel desaparecidas no exílio assírio, embora não seja historicamente
comprovado. Nos EUA há grupos de negros que praticam o judaísmo e se chamam de
"judeus etíopes". Sua posição é um tanto radical em relação aos judeus brancos.
No Brasil, além de negros, os quilombos reuniam 'bruxas', hereges, ciganos e
judeus.
Há registros da presença permanente nas aldeias de mulatos,
índios e brancos. A perseguição da época a minorias étnicas, como judeus, mouros
e outros, além do combate às bruxas, heréticos, ladrões e criminosos, explica
brancos terem ido viver no quilombo de Palmares. Zumbi foi o maior líder
quilombola e sem dúvida o mais enigmático e místico. Sob seu reinado viveu e
lutou o maior quilombo da história; grande também pela sua face multiétnica,
pois em suas fortificações se refugiaram os escravos foragidos, os judeus
perseguidos, os hereges e os índios entre outros, segundo as últimas descobertas
de arqueólogos e etnólogos. Por volta de 1590, os primeiros fugitivos africanos
rompiam suas correntes e fugiam para se agrupar na floresta, nas matas e sertões
do Nordeste do Brasil. Pouco numerosos, eles se organizavam em bandos de
fugitivos. O número foi aumentando, eles se reagruparam em uma primeira
comunidade, que ao longo de sua existência chegou a contar com uma população de
mais de trinta mil rebeldes, homens e mulheres de todas as origens. Eles
constituíram o primeiro governo de um Estado livre no novo mundo. Inicialmente a
população era de negros e poucos índios.
"Zumbi dos Palmares abriu o quilombo não apenas aos negros
foragidos da escravidão, mas também aos judeus que estavam fugindo da
inquisição"
Com a chegada de numerosos judeus fugidos da inquisição, a
população abriu-se aos brancos e estes últimos muito inspiraram a sua
organização econômica e política a partir de então. O quilombo era organizado
como um pequeno Estado. Havia leis e normas que regulamentavam a vida dos seus
habitantes, algumas até muito duras; roubo, deserção ou homicídio eram punidos
com a morte. As decisões eram tomadas em assembléias, da qual participam todos
os adultos, sendo aceitas, pois resultava da vontade coletiva. Zumbi tornou-se
dirigente de Palmares ao questionar, em 1678, a liderança de Ganga Zumba, que,
seduzido por um ³acordo de paz², aceitou transferir os quilombolas para uma
espécie de ³reserva², onde eles teriam que viver sob vigilância. A resistência
de Zumbi a esse engodo é exemplar. Desde muito cedo, negros perceberam que, para
se livrar da escravidão, não seria preciso apenas se libertar das correntes; era
necessário, também, construir um novo tipo de sociedade. Palmares significava
esse desafio não só por organizar-se como uma República dentro de uma sociedade
colonial, mas também por questionar as próprias bases do sistema.
É o que fica evidente no relato do português Manuel Inojosa, em
1677: ³Entre eles tudo é de todos e nada é de ninguém, pois os frutos do que
plantam e colhem ou fabricam nas suas tendas são obrigados a depositar às mãos
de um conselho, que reparte a cada um quando requer seu sustento². Foi isso que
motivou as dezenas de investidas militares contra o quilombo que também
abrigava judeus, índios, brancos pobres e gente perseguida pelos colonizadores
até sua completa destruição, pelo sanguinário bandeirante Domingos Jorge
Velho, em 1694. Palmares, contudo, em vez de representar a história de uma
derrota, é, até hoje, um exemplo da importância da luta. Zumbi dos Palmares
abriu o quilombo para os judeus. Ele não abriu apenas aos negros foragidos da
escravidão, mas também aos judeus que estavam fugindo da inquisição. Quando
homenageamos no dia 20 de novembro a ³Consciência Negra², é preciso relembrar os
horrores e a suprema vergonha do passado escravagista, da mesma forma que
devemos relembrar os horrores do Holocausto dos judeus e outras minorias da II
Guerra Mundial.
Escrito por Jane Bichmacher de Glasman, escritora e doutora em
Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica da USP
Fonte: Jornal
ALEF