De Manaus à UERJ: A Saga de um Santo
Rabino
Digressões
sobre o V Encontro Brasileiro de Estudos Judaicos
Israel
Blajberg (*)
A primeira semana de dezembro alterou a rotina do 9 º. andar da
UERJ. Conhecidos nomes da intelligentsia brasileira judaica cruzavam
pelos corredores com os estudantes do IFCH. Grupo sui-generis com alguma
predominância feminina.
Alem do Rio procediam de lugares tão diversos como Lisboa e Porto
Alegre, Belo Horizonte e Maceió, São Paulo e Manaus, Niterói e Buenos
Aires.
A academia vem intensificando fortemente a pesquisa de temas
judaicos. A cada ano novas teses abordam o papel dos judeus no desenvolvimento
do Brasil, seja no caso dos cristaos-novos, seja épocas mais recentes, passando
ainda pelo estudo da evolução das comunidades judaicas nas capitais e no
interior do país.
Interessados na temática, e ao contrario do que se poderia supor,
participam do V Encontro inúmeros pesquisadores
não-judeus.
Não-judeus? Ou
teriam sementes de remoto DNA aflorado em rapazes e mocinhas fascinados pelo
tema, supostas caboclinhas de pele escura ou jovens mulatinhos ? Provas vivas de miscigenações
passadas, biótipos nativos a desmentir a falácia de que judeus não se misturam
?
Sentado na platéia na parte de tarde, é forçoso lutar contra o
peso do almoço no estomago, para continuar ouvindo a narrativa. As alturas da
UERJ de onde na sacada se divisa ao longe a floresta, o burburinho dos alunos no
corredor entrecortado pelo matraquear dos trens da Super Via e as buzinas e
freadas nervosas da Radial Oeste e São Francisco Xavier se misturam a historias
de uma terra distante, onde o povo sofria. Já faz quase 2 séculos que aquela
gente deixou a terra natal nas embarcações navegando para longe, cruzando o
oceano até adentrar imenso rio.
A mocinha de pele bem morena, lembrando encantadora indiazinha
sem os adornos característicos, apresenta didaticamente interessante trabalho de
pesquisa, que certamente surpreenderia o grande público. Santo Rabino repousa
eternamente no Cemitério São João Baptista de Manaus, Rabbi Shalom
Muyal.
Em meio às cruzes, ergue-se a singela matzeivá do religioso que
faleceu no inicio do século, quando inexistia cemitério judaico. Desde então,
segundo seus devotos, opera milagres a quem lhe implora, desde cura de doença
até trazer um amor de volta.
É o que atestam inúmeras placas e ex-votos agradecendo graças
alcançadas. A simplicidade da
sepultura não lhe tira a majestade conferida pelo entorno gradeado que a destaca
das demais, miríades de pedras e pedrinhas sobre ela depositadas atestando que
ali repousa alguém especial para o povo de
Manaus.
Como tantos correligionários, chegou a então Capital da Borracha
para unir-se a vibrante congregação que existiu e permanece ate hoje. O destino
não lhe permitiu prosseguir sua obra piedosa, logo vitimado pela febre amarela
que grassava.
Mas indubitavelmente sua gente, seja na Amazônia ou no Nordeste, nas Minas Gerais ou no
Sul, ajudou a fazer deste pais uma grande
nação.
Variados temas enriqueceram sobremaneira o encontro. Entreabrindo
a porta de alguma sala poderia ouvir-se desde os acordes de Cuando el Rey Nimrod a divagações sobre
os marranos, numa semana pouco carioca quase sem sol, algum friozinho ao final
da tarde, chuva, dias meio nublados como se o clima emulasse terras geladas onde
ocorreram tantos dos episódios relatados.
A vibrante e colorida literatura judaica foi discutida junto com
historias milenares, educação, estudos bíblicos, pequenas comunidades que
renascem... o presente e a esperança no futuro que se podia perceber
simplesmente assistindo as sessões.
Forçoso foi também falar sobre intolerância, recordações de um tempo de
pogroms, Inquisição e Holocausto, tudo arrostado e vencido por um povo que
jamais perdeu a fé.
Pela quinta vez a pequena mas eficiente equipe da incansável
Professora Helena Lewin re-editava aquele que tem se afirmado como um dos mais
ricos fóruns de estudos judaicos no Brasil desde 1994.
Ao longo de uma semana, múltiplas sessões simultâneas com dezenas
de apresentações enriqueceram a cultura judaica brasileira. Mas a quinta-feira
foi particularmente impressionante... dia especial em que as sinagogas se
engalanam para a leitura da Tora sagrada.
Neste dia forte temporal caiu a cântaros, com trovoes ribombando
ao longo das passarelas que entrecruzam os andares da UERJ, erguida onde um dia
existiu a antiga Favela do Esqueleto. A chuva impulsionada pelo vento molhava os
passantes, enquanto corredores escuros se iluminavam com o clarão dos
relâmpagos.
Era ainda cedinho, poucos participantes haviam chegado. Sem ser
notado, um senhor idoso usando terno algo antiquado com colete surgiu junto à
mesa onde os incansáveis bolsistas Cíntia e Estevão já atendiam os
participantes. Apenas apareceu, vindo não se sabe de
onde.
Tipo peculiar, roupas pretas, chapéu. Tinha barba, não muito
espessa, apenas rala e algo pontuda. Idoso, rosto fino, semblante tranqüilo,
sugerindo ser um estudioso.
Ninguém reparou como havia aparecido, mas de repente estava ali.
Parecia que viera com a tempestade.
Ao final do dia, não mais tendo sido visto, perguntaram a Cíntia
o que fora feito dele.
- " nem sei...
simplesmente desapareceu ... disse apenas que viera de muito longe, e se chamava Shalom Muyal
..."