CEMITÉRIO DOS JUDEUS, Recife, PE Beit Haolam |
Durante o século XVI, as cidades Recife e Olinda receberam muitos imigrantes judeus oriundos da Península Ibérica, que fugiam das perseguições e fogueiras da Inquisição. Desconhece-se o tamanho exato da população judaica em Pernambuco após o Descobrimento, porém, os pesquisadores estimam que tenham vivido no Recife cerca de trezentos judeus, durante o domínio holandês. É do conhecimento de todos o fato de que os portugueses Duarte Coelho Pereira (donatário da Capitania de Pernambuco), Gaspar da Gama (intérprete da armada de Pedro Álvares Cabral), Bento Teixeira (poeta), Fernando de Noronha, João Ramalho, entre tantos outros, eram cristãos-novos - judeus convertidos ao catolicismo para escapar da Inquisição – e que a Capitania de Pernambuco foi povoada por muitos judeus oriundos da Península Ibérica. A invasão holandesa (1630-1654) e os sete anos de governo do conde Maurício de Nassau (1637-1644), chamado Maurits de Braziliaan, deixaram a memória de uma época de ouro, até hoje reconhecida no país. Naquele governo, os judeus vivenciaram uma liberdade religiosa sem precedentes, e puderam seguir os seus costumes e tradições; os papistas, os calvinistas e os judeus conviveram e produziram em plena harmonia; e foi estabelecida uma trégua na guerrilha dos luso-brasileiros, criando-se uma civilização inédita nos trópicos. Nassau preocupou-se, também, em manter uma convivência pacífica com os habitantes locais, inclusive, e, sobretudo, com os senhores de engenho.
Beneficiada por todos esses aspectos, a cidade Maurícia (Mauritstad ou Mauritiopolis, atual cidade do Recife) adquiriu uma dimensão e um brilho jamais imaginados nas Américas. Tudo isso representou, sem dúvida alguma, o maior contraste com a intolerância e a crueldade dos calvinistas e da Inquisição. O Tribunal do Santo Ofício que, sob a acusação de traição, heresia, bruxaria e impureza de sangue, torturava, perseguia, se apropriava dos bens e queimava vivos todos os judeus que não se convertessem ao catolicismo, como também os cristãos-novos, suspeitos de seguirem a religião judaica; e, os calvinistas, que, em 1631, entre outros, incendiaram a bela e próspera vila de Olinda, alegando que lá havia um excesso de igrejas católicas (Vainsencher, 2007).
Naquele período foi construída a Sinagoga Kahal Zur Israel, situada na rua do Bom Jesus, antiga rua dos Judeus, no bairro do Recife, o primeiro templo israelita que foi construído
Na 2ª. Guerra Mundial (1938-1945), seis milhões de judeus foram assassinados pela Alemanha nazista, em uma guerra de extermínio denominada Holocausto. Devido ao forte anti-semitismo, milhares de hebreus, oriundos da Europa Oriental - Polônia, Romênia, Áustria, Alemanha e Rússia – buscaram um refúgio bem longe dos campos de concentração e câmaras de gás.
Passados três séculos sem que houvesse uma imigração significativa, Pernambuco, mais uma vez, representou um importante pólo de atração para a população judaica. Ao chegarem no Estado, os imigrantes construíram escolas, sinagogas e clubes, visando manterem seus costumes e tradições. Também foi adquirido um cemitério, para sepultarem os mortos de acordo com os preceitos da religião mosaica. Este segundo Cemitério Israelita (em Pernambuco) está situado próximo à Igreja do Barro, e ao lado do Cemitério Paroquial do Barro, na Área Metropolitana do Recife. Ele foi fundado no dia 5 de abril de 1927, porém sua inauguração só ocorreu no dia 2 de junho de 1927. Antes desta data, os judeus eram enterrados no Cemitério de Santo Amaro.
No entanto, quando o Cemitério Israelita passou a funcionar, os restos mortais daqueles hebreus foram transportados para lá. Isso ocorreu em caráter de exceção, porque a retirada dos ossos, muito comum em sepulturas não-judias, não é permitida pela religião judaica. Somente em casos excepcionais é que os túmulos são abertos e, os ossos, retirados.
No Cemitério Israelita observam-se dois
tradicionais símbolos judaicos: a estrela de Davi e o candelabro de
sete bocas. Um pouco afastada da entrada, vê-se uma pequena
construção de alvenaria, pintada de branco por dentro e por fora, e
com dois lados abertos. Na parede, encontra-se uma placa de mármore
contendo a Estrela de Davi e alguns dizeres
A construção do segundo velório, em 1971, deveu-se à valiosa colaboração de algumas pessoas da comunidade judaica, entre as quais se destacaram Abrahão Rissin (na época, presidente do Departamento Religioso do Centro Israelita de Pernambuco) e Aron Rosenblatt (tesoureiro do Departamento), que empreenderam, em primeiro lugar, uma campanha para arrecadar doações. O projeto arquitetônico, por outro lado, foi feito por Alex Lomachinsky; o cálculo estrutural, por Meyer Mesel; e a construção, propriamente dita, ficou sob a responsabilidade de Germano Schnaider e Gerson Rissin.
Na entrada do velório encontra-se uma caixa de madeira com kipot – solidéus. Os homens, de acordo com a religião judaica, antes de entrar no cemitério, precisam cobrir a cabeça com uma kipá. Esta é uma das mais antigas tradições e remete à época em que os hebreus viviam na Babilônia. Cobrir a cabeça representa uma atitude mais piedosa – midat chassidut – é uma atitude de respeito a D’us, para as pessoas lembrarem que D’us está acima tudo e de todos. As mulheres, por sua vez, devem cobrir a cabeça com um lenço ou um xale.
No velório, observa-se uma bancada de
alvenaria, coberta com uma pedra de mármore, com cerca de um metro
de altura do piso. Esta bancada serve de suporte para o caixão e,
acima dela, um pouco antes do teto, vê-se uma grande estrela de Davi No velório, existe um espaço reservado ao cerimonial fúnebre. Ali, as paredes são cobertas por azulejos brancos, observa-se uma bancada de alvenaria de formato octogonal, para apoiar o caixão, e um lavatório. O cerimonial é realizado pela Chevra Kadisha – a Comissão Fúnebre – que prepara o morto para ser enterrado. Isto é feito com total privacidade (com as portas fechadas) em sinal de respeito ao morto. Se o falecido for do sexo masculino, somente os homens da Chevra Kadisha podem preparar seu corpo para o sepultamento; e, caso seja uma mulher, não é permitida a entrada de homens no recinto. Na parede do velório estão fixadas duas placas. Na primeira, lê-se:
E, na outra placa, está registrado o seguinte:
Construído somente em 1971, o velório do Cemitério Israelita do Barro foi oriundo de um projeto levado adiante por Alex Lomachinsky, Meyer Mesel, Gerson Rissin e Germano Schneider.
No espaço designado aos sepultamentos, por tradição, os judeus europeus costumam separar os homens de um lado e, as mulheres, de outro. Esta divisão foi respeitada, no Cemitério Israelita (do Barro), até o dia em que se esgotaram as áreas reservadas aos homens. Diante disso, a comunidade judaica passou a enterrar mulheres e homens, lado a lado, até não haver, na prática, mais espaços no cemitério. É necessário esclarecer um ponto importante. Há muitos anos, foram comprados, por pessoas da comunidade judaica, os últimos espaços disponíveis, uma vez que elas fazem questão de ser enterradas no mesmo cemitério que seus familiares. Este é o motivo pelo qual ainda se pode ver uma meia dúzia de espaços reservados.
Bem antes de o cemitério ficar lotado, no entanto, a Federação Israelita de Pernambuco solicitou à Prefeitura do Recife a indicação de uma área para a instalação de outro cemitério. Neste sentido, a Prefeitura disponibilizou um terreno relativamente próximo ao Cemitério Parque das Flores, no bairro do Curado, no município de Jaboatão dos Guararapes. Lá foi construído o velório do terceiro cemitério hebreu em Pernambuco: o Cemitério Israelita (do Parque das Flores).
Recife, 8 de abril de 2004.
FONTES CONSULTADAS:
DIMENSTEIN, Walter. Depoimento oral, dado à autora deste trabalho, sobre a atuação de Abrahão Rissin, como também de Aron Rosenblatt, junto à construção do segundo velório do Cemitério Israelita (do Barro).
FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.
KAUFMAN, Tânia Neumann. Passos
perdidos,história recuperada: a presença judaica
KAHAL Zur Israel: Congregação Rochedo de Israel: resgate da memória da 1a. Sinagoga das Américas. Recife: Fundação Safra/Centro Cultural Judaico de Pernambuco, 2001.
LIPINER, Elias. Izaque de Castro: o mancebo que veio preso do Brasil. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1992.
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 51, p. 9-233, 1979.
MOURA, Hélio Augusto de. Presença judaico-marrana durante a colonização do Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 18, n. 2, p. 267-292, jul./dez. 2002.
RIBEMBOIM, José Alexandre. Senhores de engenho: judeus em Pernambuco colonial (1542-1654). Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1998. ___________ ; MENEZES, José Luís Mota. O primeiro cemitério judeu das Américas: período da dominação holandesa em Pernambuco (1630 - 1654). Recife: Edições Bagaço, 2005. SINAGOGA Rochedo de Israel: memória e resgate. Brasília, D.F.: Ministério da Cultura, 2001.
VAINSENCHER, Semira Adler. Boi voador. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Centro de Estudos Folclóricos Mário Souto Maior, n. 332, set. 2007. (Série Folclore)
(Texto atualizado em 5 de março de 2008) Semira Adler Vainsencher
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Aproveitando a oportunidade, gostaria de registrar o seguinte: Além das duas
placas citadas na pesquisa, existe mais uma placa e que está afixada no
interior do Velório do Cemitério Israelita do Barro. Nessa placa, cuja foto
eu estou anexando à esta mensagem, na minha opinião, cometeu-se um
injustiça. Foram omitidos no texto da mesma,
os nomes do meu pai, Abrahão Rissin, e o de outros poucos diretores
do Departamento Religioso do Centro Israelita de Pernambuco.
A construção desse Velório, se concretizou exclusivamente graças a
iniciativa, o trabalho e a dedicação do meu pai, que na ocasião era o
Presidente do Departamento Religioso do Centro Israelita de Pernambuco e da
sua laboriosa diretoria.
Não tenho a absoluta certeza dos
nomes dos diretores, mas acho que o Sr. Arão Rosenblatt era um deles. Talvez
a Tania Kaufman possa colaborar fornecendo os nomes dos demais.
Nunca é tarde para se reparar essa
injustiça... Ainda está em tempo...
Gerson Rissin
(da Mensagem de: Gerson Rissin